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Em sete dos últimos oito anos, o grão de soja, sozinho, tem sido o item mais importante do comércio exterior brasileiro. A cadeia da soja – que inclui grãos, farelo, óleo e biocombustível – fechou 2023 representando 28,5% do PIB do agronegócio brasileiro e 6,3% do PIB total do país. Em reais, estima-se que o grão e os derivados agreguem R$ 695 bilhões à economia nacional.
Para alguns detratores do cultivo, contudo, tais números não deveriam ser comemorados, mas lamentados. Como se o setor da economia que vai melhor devesse ser freado, para acompanhar os outros, menos dinâmicos. Daí surge a pergunta: pode um produto agrícola que internaliza tantos dólares se tratar, na verdade, de um vilão disfarçado, que acabará cobrando dos brasileiros uma conta alta em longo prazo, tanto do ponto de vista econômico como ambiental e social?
Afinal, quem já não ouviu o discurso, geralmente de ONGs, movimentos sociais e militantes de esquerda, de que a soja não contribui para o desenvolvimento brasileiro, devasta as paisagens naturais, causa conflitos no campo e gera somente lucro para grandes fazendeiros e traders multinacionais?
O quadro pintado, com frequência, é pior ainda. Além de acentuar as desigualdades sociais, a soja estaria por trás do aumento do desmatamento, contaminação por agrotóxicos, exaustão hídrica, perda de biodiversidade, concentração fundiária e violência no campo.
Na visão desses críticos, a soja, e o agro brasileiro como um todo, estaria numa época feudal, ponta-de-lança de uma disputa de barões da terra contra camponeses, opressores e oprimidos. Simplesmente ignoram-se as transformações dos últimos 50 anos, que modernizaram a agricultura brasileira, baratearam os alimentos e tornaram o país imprescindível na garantia da segurança alimentar mundial.
Como tantos outros mitos e fábulas, a pregação anti-soja não resiste ao escrutínio dos fatos, números e estatísticas. Exemplo mais recente foram as questões sobre o agronegócio ideologicamente contaminadas no Enem, que acabaram sendo amplamente desmentidas por pesquisadores e estudiosos do campo.
Introduzida no Brasil em 1882, no Recôncavo Baiano, a soja fracassou nos primeiros experimentos basicamente porque, originária de regiões frias da Ásia, não se adaptou ao clima tropical. Só obteve algum êxito a partir de 1940, ainda assim restrita às regiões mais frias do Rio Grande do Sul. Nos anos 60, cultivares comerciais importadas dos Estados Unidos começaram a ser testadas e adaptadas às condições brasileiras. A partir da década de 70, a expansão se acelerou e no início dos anos 90 a soja já era a principal cultivo do país, ultrapassando o milho e a cana de açúcar.
O impacto foi tamanho que acabou por dividir o processo de desenvolvimento agroindustrial do Brasil em duas fases: antes (agricultura de subsistência) e depois da soja (agricultura empresarial).
Essa tese é defendida pelo pesquisador Amélio Dall’Agnol, da Embrapa, em um livro sobre a pesquisa e a adaptação da leguminosa ao Brasil. Dall’Agnol lista uma série de contribuições ao desenvolvimento do país, para além da interiorização de dólares.
Em poucas décadas, ele aponta, a soja impulsionou o desenvolvimento da indústria nacional de maquinários agrícolas, além de provocar a ampliação e a modernização do sistema de transporte e armazenagem. Também expandiu a fronteira agrícola rumo ao Oeste do país (em terras antes consideradas inservíveis), profissionalizou e incrementou o comércio internacional brasileiro, enriqueceu a dieta alimentar da população (menos gordura animal, mais gordura vegetal), acelerou a urbanização do país (criação de cidades prósperas no Centro-Oeste) e estimulou a migração da população para o interior (anteriormente concentrada no Sul, Sudeste e litoral do Nordeste).
O feijão-soja contribuiu ainda para tecnificar e elevar a produtividade de outros cultivos, e, por fim, descentralizou a agroindústria nacional, patrocinando uma expansão “extraordinária”, sublinha Dall’Agnol, da indústria de carnes bovina, suína e de frango.
Essa interiorização do desenvolvimento é destacada também por Daniel Amaral, diretor de Economia e Assuntos Regulatórios da Associação das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). A maior parte das unidades fabricantes de biodiesel de soja está fora dos grandes centros urbanos. “Mais de 14 mil pessoas estão ocupadas de forma direta apenas na produção do biodiesel e recebem 40% a mais que a média salarial dos empregos da agroindústria agrícola brasileira”, destaca.
O mito de que a soja é “inimiga da agricultura familiar” também é desmentido pelo biodiesel. O programa Selo Combustível Social, do Ministério da Agricultura, contempla mais de 76 mil famílias (por volta de 330 mil pessoas), levando assistência técnica e extensão rural aos produtores e auxiliando o acesso aos mercados e o escoamento da produção.
“A cadeia produtiva da soja gera empregos na agroindústria em todas as regiões brasileiras. Ao todo, são 129 fábricas de processamento de soja capazes de industrializar cerca de 69 milhões de toneladas, 59 unidades de refino e envase de óleos vegetais e 69 usinas de biodiesel em operação e construção capazes de produzir 16,3 bilhões de litros por ano. A agroindústria cresce junto com a produção de soja e gera empregos e renda por todo o país”, destaca Amaral.
Por ter alta concentração de proteínas – até três vezes mais do que milho, trigo e centeio – a soja é o principal componente da ração de frangos, bovinos e suínos. Assim, além do óleo, maionese e outros ingredientes culinários, chega também à mesa dos consumidores na forma de ovo, frango, tilápia, bisteca, filé e leite.
É mito que a maior parte da soja brasileira vai para China, em forma de grão. A China, realmente, é o principal cliente internacional, destino de 70% do grão exportado. Mas 61% da leguminosa produzida fica no Brasil. Transformada em biodiesel, movimenta a frota de caminhões e ônibus do país, substituindo combustíveis fósseis e reduzindo as emissões de carbono. Na indústria, é matéria-prima para borrachas, fibras, plásticos, solventes, adesivos e centenas de outros usos.
No aspecto social, Xico Graziano, ex-deputado federal e professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa que a soja e a agricultura tecnológica, historicamente, não têm nenhuma ligação com uma suposta expropriação de camponeses.
“Ela entrou em territórios que não tinham ninguém. Cidades como Sorriso e Sinop, no norte do Mato Grosso, foram abertas nos anos 70, onde até então só tinha cerrado. E nessa região o produtor tem que preservar 35% da floresta nativa, e estão todas preservadas. Quantos camponeses foram expropriados da região Oeste da Bahia, no município de Luiz Eduardo Magalhães, a mil quilômetros de Salvador? Nenhum”, destaca.
E quanto à alegação de que a soja só enriquece mesmo os grandes fazendeiros e as multinacionais? “Está comprovado que por onde a soja passa, ela aumenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das regiões. É só olhar a transmutação do Mato Grosso, Goiás, Bahia, da região do Matopiba. O produtor mora na cidade, o dinheiro circula na cidade, ele compra insumos, máquinas, carro. Ele vai ao supermercado, contrata empregados. Há distribuição de renda, a prefeitura e o estado arrecadam mais”, aponta Décio Gazzoni, engenheiro-agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina.
Em 20 anos, de 1991 a 2010, praticamente todos os municípios com forte presença da soja tiveram crescimento do IDH acima da média de seus estados. Sorriso, por exemplo, maior produtor de soja do país, saiu de 0,517 para 0,744 (média do Mato Grosso é de 0,725); Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia, avançou de 0,391 para 0,716 (média na Bahia é de 0,660); Balsas, no Maranhão, saltou de 0,347 para 0,687 (média no Maranhão é de 0,639).
Um outro estudo, no Mato Grosso do Sul, mostrou que os quatro municípios com maior produção de soja lideram o IDH do estado: Maracaju, Ponta Porã, Sidrolândia e Dourados. Dos cinco municípios com menor IDH, em contrapartida, todos registraram as menores produções de soja em 2022.
A soja é uma cultura altamente mecanizada e pouca intensiva em trabalho, mas, mesmo assim, a cadeia produtiva registrou uma população ocupada de 2,32 milhões de pessoas em 2023, o dobro em relação a 2012. O impacto nos serviços vai muito além da mão de obra diretamente ocupada. Segundo estudo do Cepea-Esalq/USP), em parceria com a Abiove, a agroindústria agrega R$ 5.495,00 por tonelada de soja processada. O efeito multiplicador do processamento, assim, está atualmente em 280%. E neste ano, o Brasil se tornou líder mundial da exportação de farelo de soja, ultrapassando a Argentina, que teve quebra de safra pela seca.
Os chamados agrosserviços, que envolvem comércio, transporte e outras atividades necessárias para movimentar o produto in natura ou processado, são o principal gerador de PIB na cadeia da soja, totalizando R$ 357 bilhões. É o dobro da renda para dentro da porteira, sem contar o efeito multiplicador do PIB dos insumos, do refino e esmagamento (ração e óleo) e da produção de biodiesel.
Esses números ajudam a explicar por que o Mato Grosso foi o estado que criou, proporcionalmente, o maior número de empregos com carteira assinada no país, no primeiro semestre. A expansão foi de 4,8%, o dobro da nacional, e a taxa de desemprego caiu de 4,4% para 3%, conforme registrou reportagem desta Gazeta do Povo.
Do ponto de vista do cuidado com os recursos naturais, além das rígidas imposições do Código Florestal para preservação de áreas nativas, há muito tempo os agricultores, e o sistema produtivo brasileiro, compreenderam que não se deve cultivar o solo repetidamente com a mesma planta. Aí entra a prática, amplamente disseminada, de fazer rodízio da soja com milho, trigo, algodão, sorgo, braquiária e mesmo o consórcio com floresta plantada e criação de gado (ILPF).
Por outro lado, é uma lição agronômica básica que os monocultivos seguidos, além de promoverem a degradação química, física e biológica do solo, favorecem a proliferação de pragas e doenças. É questão de ganhar e perder dinheiro, e por isso a maioria dos produtores planeja cuidadosamente o que plantar, alternando soja com milho, cereais de inverno e gramíneas, o que, aliado ao sistema de plantio direto, acaba por melhorar as características dos solos ao longo dos anos.
Os agricultores brasileiros são os que lideram mundialmente o uso de produtos biológicos para controlar pragas e doenças, relegando cada vez mais o uso de químicos ao mínimo necessário. Essas práticas sustentáveis foram reconhecidas, inclusive, em estudo comparativo envolvendo fazendeiros dos principais países produtores.
Se não fosse o amplo cultivo de soja, o Brasil estaria gastando vários bilhões de dólares com a aplicação de fertilizantes químicos de nitrogênio. A fixação biológica de nitrogênio nas plantas, por meio de bactérias inoculadas nas sementes, uma tecnologia pioneira da pesquisa brasileira, economiza anualmente cerca de US$ 15 bilhões, segundo estudo de 2020 do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) e da Embrapa Soja.
“A adubação com nitrogênio é a mais cara e a que mais emite gases de efeito estufa, visto que usa muita energia e elementos derivados do petróleo. Quando você usa as bactérias de inoculação, você não só está beneficiando a soja, como sobra fertilizante para o milho e outros cultivos”, afirma Gazzoni, da Embrapa.
Em junho, Gazzoni participou da Conferência Mundial da Soja, na Áustria. Os europeus comemoravam a marca de ter alcançado o cultivo de 1 milhão de hectares de soja no velho continente. Ficaram surpresos ao constatarem que alguns municípios brasileiros, sozinhos, já se aproximam dessa marca. Em relação à produtividade, a média brasileira está em torno de 60 sacas por hectare, enquanto a Europa ainda luta para atingir 50 sacas.
“O Brasil é dos pouquíssimos países que têm condições de fazer até três safras por ano. Se plantar soja no final de setembro, tem gente colhendo já no Natal e plantando milho. Depois, planta feijão. E mais recentemente têm gente engordando gado em plena seca no Centro-Oeste, plantando a braquiária junto com o milho. Nosso sistema de produção é altamente sustentável”, argumenta o pesquisador.
Para Gazzoni, os detratores da soja “pararam no tempo”. “É um discurso que cabia 30 ou 40 anos atrás. Hoje mudou, temos empresários no campo que não ficam devendo nada aos melhores do mundo. A moratória da soja diz justamente isso. Se você desmatou, não te vendo insumo nem te compro a soja. A soja hoje cobra todo o déficit da balança comercial brasileira, de todos os outros setores da economia, e ainda sobra dinheiro. Se conseguimos comprar vacina da Covid e equipamentos médicos, foi com dinheiro da soja. A classe média consegue viajar para o exterior devido aos dólares que vêm da soja. Se o Brasil tem dólares, grande parte é da soja, do algodão e do milho. Se tirássemos as grandes culturas do agronegócio, já teríamos afundado”.
O debate sobre a contribuição da soja à economia e à sociedade brasileira não é novo. Em 2013, estudo da consultoria MB Associados, já demonstrava que os produtos afetados pela lavoura da soja estavam mais baratos aos consumidores. “O preço do frango hoje (em 2013) custa 18% do valor cobrado em 1974. Ou seja, o barateamento do farelo de soja permitiu ao brasileiro consumir fontes baratas de proteína animal”, afirmou, à época, Mendonça de Barros.
Trazendo os dados para 2023, a Embrapa Suínos e Aves, de Concórdia (SC), mostra que o salário-mínimo brasileiro, que comprava 41 kg de frango em 1970, pode adquirir hoje 141 kg. O consumo per capita de frango, em 1970, era de 3 kg por ano. Em 2020, chegou a 46 kg por habitante. No período, a produção de aves ficou 57 vezes maior e a exportação 458 vezes maior, com o Brasil dominando 30% do mercado internacional.
Vale lembrar que, do que um frango come, cerca de 30% é farelo de soja e mais de 60%, milho. Assim, a dobradinha soja-milho, em que o Brasil é líder de exportações globais, garante também o alimento da população a um preço acessível. E serve à mesa de todos. Inclusive dos mais radicais críticos do agronegócio.
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