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Artigo
É imperativo desmistificar a ideia de que o processo legal é um artifício para evitar o pagamento de dívidas

21 de março de 2024 às 5h22

Como advogada especializada em recuperação judicial e defensora dos interesses do agronegócio brasileiro, sinto a necessidade de esclarecer pontos cruciais sobre esse instituto, especialmente diante das recentes declarações do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), do secretário de Política Agrícola do Mapa e do ofício 162/2024/GAB-G emitido pelo mesmo órgão, bem como das solicitações das associações Andav, Anda e ANEC ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para medidas visando orientar a aplicação da Lei 11.101/2005, a fim de conter o aumento nos pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais.
Primeiramente, é imperativo desmistificar a ideia de que a recuperação judicial é um artifício para evitar o pagamento de dívidas. Dados recentes de um estudo realizado no programa de pós-graduação em Agronegócios da USP indicam que, desde que produtores rurais pessoas físicas passaram a ter acesso à recuperação judicial, não houve um aumento na taxa de juros ou falta de pagamento. Pelo contrário, os números demonstram uma queda na inadimplência, evidenciando que a disponibilidade dessa ferramenta não tem impacto negativo na situação.
Adicionalmente, não é verdade que o processo de recuperação judicial prolonga o pagamento da dívida. Estatísticas divulgadas pelo CNJ mostram que a execução judicial em primeira instância leva, em média, quase oito anos, sem oferecer uma solução efetiva para o débito. Por outro lado, a recuperação judicial, especialmente com as mudanças promovidas pela lei nº. 14.112/2020, possui um desfecho obrigatório, com pagamentos iniciando em cerca de 1 ano, priorizando aqueles que mais necessitam, como os trabalhadores rurais.
Apesar dos desafios enfrentados, incluindo adversidades climáticas, queda nos preços internacionais e aumento dos custos de produção, a recuperação judicial não é o problema, mas sim uma das soluções importantes para a crise, juntamente com a recuperação extrajudicial e medidas preventivas, como a mediação.
Instamos o Ministério da Agricultura e Pecuária a criar alternativas para reestruturar o endividamento, inclusive no contexto da recuperação judicial, fortalecendo um instituto já consolidado em nosso sistema jurídico.
É inegável que a legislação, prestes a completar 20 anos de vigência, tem sido fundamental para ajudar inúmeras empresas e empresários em dificuldades financeiras, permitindo-lhes reestruturar suas dívidas e manter suas atividades econômicas, consequentemente preservando empregos e contribuindo para a economia, conforme preconiza o artigo 47 da própria Lei.
Restringir o uso desse instituto não resolve a crise enfrentada pelos produtores e apenas beneficia alguns poucos agentes capitalizados, que poderiam facilmente satisfazer suas dívidas devido à solidez das garantias oferecidas, em detrimento das muitas famílias que dependem desses negócios.
Esperamos que o governo cumpra seu programa e defenda vigorosamente os produtores rurais, a maioria dos quais são agricultores familiares, que não podem arcar com mais perdas de direitos. O agronegócio não está restrito aos escritórios da Faria Lima e é necessário proteger aqueles que trabalham incansavelmente todos os dias neste País para produzir no campo.
Os escritórios especializados em recuperação judicial, que atuam no agronegócio, têm o compromisso com a defesa dos direitos e interesses dos produtores rurais brasileiros e pedem por um debate mais informado e equilibrado sobre o tema. É crucial que a sociedade e os meios de comunicação abordem a recuperação judicial com a devida profundidade, reconhecendo sua importância estratégica não apenas para o agronegócio, mas para a economia brasileira como um todo.
Pedimos a todos os envolvidos para que reflitam sobre as realidades do setor agropecuário brasileiro, evitando generalizações e valorizando as ferramentas legais disponíveis para a preservação da atividade rural, que é um pilar fundamental de nosso País.
*Especialista em Recuperação Judicial – DASA Advogados
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