Por João Adrien e Leonardo Garcia da Silva Munhoz*
O Código Florestal (CF) brasileiro (Lei 12.651/2012) é a principal legislação que regula a ocupação territorial em propriedades rurais, garantindo a preservação ambiental em consonância com a produção agropecuária.
Após onze anos de aprovação da legislação, houve avanços relevantes, como a construção do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o principal instrumento de monitoramento da ocupação territorial no país. A efetiva implementação do CF, no entanto, continua longe de se tornar uma realidade, já que novos questionamentos jurídicos lançam inseguranças e dúvidas quanto à sua efetiva implantação.
Segundo dados do MapBiomas, 41,3% da vegetação nativa do Brasil encontra-se em propriedades rurais e o CF contribui de maneira significativa para assegurar que elas tenham papel relevante na conservação dos recursos ambientais.
Por outro lado, o Planaflor estima um déficit de 18,8 milhões de hectares de vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente e em Reserva Legal que deverão ser regularizados e isso será feito, em boa parte, via restauração ou recuperação florestal. Tal montante está alinhado à meta do Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg) e com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira no âmbito do Acordo de Paris.
Desde sua promulgação, em 2012, o novo Código Florestal teve a constitucionalidade de vários de seus dispositivos questionada no STF, por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade ingressadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e da Ação de Constitucionalidade 42. O julgamento foi concluído em 2018, após seis anos de aprovação no Congresso Nacional. Na ocasião, a Corte considerou constitucional a maioria dos dispositivos questionados.
Um dos ministros, porém, ao proferir seu voto, abriu divergência quanto ao artigo 48 do CF, ao estabelecer que a compensação ambiental por meio de Cota de Reserva Ambiental (CRA) deve ser feita em áreas de mesma identidade ecológica, em vez de mesmo bioma, por considerar que este último critério é muito abrangente. Essa divergência acabou prevalecendo ao final do julgamento.
Entretanto, a possível alteração de interpretação do artigo 48, para “identidade ecológica”, confronta os parâmetros estabelecidos em outro artigo do mesmo CF, o 66, que prevê que todos os métodos de compensação de Reserva Legal (RL) para áreas convertidas até 22 de julho de 2008 utilizem o mesmo bioma como critério.
Essa questão voltou à tona em agosto de 2023, com o início do julgamento dos Embargos de Declaração da Ação de Constitucionalidade 42 para estabelecer o que é o conceito de “identidade ecológica” e se ele é válido somente para CRA ou se deve ser estendido para os demais métodos de compensação previstos no já mencionado artigo 66 do Código.
O ministro relator defendeu que o conceito de “identidade ecológica” não seria vago, uma vez que se aproximaria de “mesmas características ecológicas”, termo já presente na Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006, artigo 17) e no Código Florestal de 1965, revogado em 2012.
Deve-se destacar que o conceito de identidade ecológica é inexistente na literatura. Não existe uma definição técnica oficial que possa ser utilizada como referência para implementação do Código Florestal. Diferentemente do conceito de bioma, claramente definido por meio de mapas elaborados pelo IBGE.
O voto do relator foi seguido por outros quatro ministros; houve um voto divergente e um pedido de vistas, o que suspendeu o julgamento, não tendo sido retomado até o presente (dezembro de 2023).
Mesmo com a suspensão, o número de votos já é suficiente para a aprovação da mudança e adoção do conceito de identidade ecológica. A lógica por trás dessa decisão seria restringir a abrangência territorial do instrumento de compensação ambiental, dando preferência para a reparação florestal ao invés da compensação.
Entretanto, isso pode levar a uma possível redução da demanda por ativos florestais, o que, por sua vez, diminuiria o valor da floresta em pé e impactaria os incentivos à preservação ambiental. O produtor poderá se sentir desestimulado em preservar seus excedentes florestais de Reserva Legal.
A instituição de um novo critério, mais de uma década após a aprovação da lei, que altera a interpretação sobre um mecanismo fundamental de regularização ambiental, deve postergar ainda mais a implementação do CF na opinião da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – movimento que reúne mais de 370 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia.
Em posicionamento já divulgado sobre o tema, a rede destacou alguns dos impactos negativos dessa decisão.
O primeiro deles é que, sem um consenso técnico, científico e político sobre o conceito de identidade ecológica, escala-se o risco de judicializações. De imediato, a mudança de interpretação do artigo 48 poderá gerar questionamentos, sobretudo nas compensações já realizadas.
Vale ressaltar que foram realizadas inúmeras operações de compensação ambiental utilizando o critério vigente de bioma e uma mudança de interpretação nesse momento gerará enormes questionamentos jurídicos.
Outro risco é o de inviabilizar a compensação ambiental em Unidades de Conservação (UC), um dos instrumentos fundamentais de regularização fundiária dessas áreas, tendo como consequência a fragilização de áreas protegidas.
Essa mudança pode, ainda, trazer prejuízo à adoção de instrumentos econômicos para remunerar esforços para manter a floresta em pé. De um lado, aumenta o risco de desmatamento de vegetação nativa excedente em áreas de Reserva Legal e, de outro, dificulta a regularização de passivos nessas áreas.
Adicionalmente, é importante destacar o descompasso com as normas estaduais vigentes, que em sua totalidade preveem o conceito de bioma como critério de compensação para regularizar passivos florestais.
Com isso, é preciso superar esses questionamentos e focar no que, de fato, é necessário: avançar na implementação da lei com urgência, já que isso contribuirá para se alcançar a meta climática do Brasil dentro do escopo do Acordo de Paris, e para o país recuperar passivos e remunerar ativos ambientais.
A implementação do Código Florestal deve, portanto, ter como prioridade focar nas ações do Executivo Federal e Estadual, tais como a construção de um plano nacional de implementação do Código, com metas, indicadores e uma governança robusta, liderado pela União junto aos estados. Novos questionamentos jurídicos vão na direção contrária do que de fato é urgente na implementação da agenda florestal.
Implementar o CF é imprescindível para o bem-estar da população e para manter o agronegócio brasileiro competitivo diante das demandas internacionais de que a produção seja aliada à sustentabilidade. É preciso, portanto, reconstruir um novo pacto político entre governos, setor privado, sociedade civil e academia para que as regras não sejam alteradas.
A Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura, por meio de seus diversos membros, chegou a um consenso de que rediscutir o Código Florestal é colocar em risco uma das principais legislações capazes de assegurar a produção agropecuária com a conservação dos recursos naturais, fundamental para assegurar o desenvolvimento sustentável do Brasil.
* João Adrien é head de Estratégia ESG da Diretoria de Agronegócio do Itaú BBA e membro do Grupo Executivo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Leonardo Munhoz é Pesquisador do Observatório da Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas – FGV
Obs: As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
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