O recente anúncio do PIB a 2,9% vem trazendo alvoroço nas redes acerca do crescimento brasileiro. Representa um crescimento sustentado? O que está por trás do crescimento de 2023? Aspectos de uma economia com contradições estruturais no lulismo senil em um regime degradado.
Matheus Correia
Pedro Oliveira
O resultado do PIB que saiu na última semana, por trás do entusiasmo do governo, deixa claro os traços de uma economia com fatores estruturais que não permitem a tão prometida estabilidade. Puxado em especial por uma safra recorde do agronegócio, diferente da propaganda do Brasil entre as 10 economias do mundo, se revela um aumento dos traços primários da economia de exportação de commodities.
Só a produção agropecuária cresceu 15,1% em 2023, com uma safra recorde que não tende a se repetir em 2024 conforme análise da maioria dos analistas e que teve como protagonista a exportação de soja e milho, em um momento de seca na Argentina. Importante ver que o resultado geral do PIB considera os 4 trimestres do ano anterior, com o primeiro e o segundo positivos, mas o terceiro e quarto com um crescimento pífio de 0,1%, indicando uma tendência para este ano.
Pra além da safra recorde de soja e milho, é necessário levar em conta o estímulo bilionário que o governo concedeu para o agronegócio, com o maior Plano Safra da história que beneficia os mega latifundiários do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, que são principal base de apoio de Bolsonaro e protagonistas do avanço da destruição da Amazônia e assassinato de indígenas. Nada de novo, para quem desde o início buscou alianças com os políticos da bancada ruralista como Kátia Abreu, Simone Tebet e Blairo Maggi.
Na indústria geral o crescimento foi de 1,6%, mas a produção física apenas 0,2% ao ano, com o investimento em produção de bens de capital (aqueles utilizados para expansão da produção) recuando 3,4% ao ano. E desse crescimento o maior peso é da indústria extrativista, que junto da agropecuária são os maiores destruidores da natureza, também bastante ligado ao setor primário como extração de petróleo, gás natural e minério de ferro.
Do PIB, houve crescimento de 2,4% em serviços, que já além do baixo índice, tendem a ser ainda mais impactados com a política de austeridade do arcabouço fiscal e aumento da informalidade, gerando limites para o crescimento da renda e do consumo. Só em agosto de 2023 quase 40% dos trabalhadores estavam na informalidade. Nesse sentido, mesmo a queda do desemprego deve ser levado em conta o aumento da precarização para a diminuição desse número. Situação que tende a aumentar com a recente aprovação do PL que regulariza motoristas de aplicativo como “autônomos”, e como disse o Prof. de direito da USP, Jorge Souto Maior, “joga uma pá de cal sobre o que ainda resta da rede de proteção jurídica trabalhista”.
Junto com um cenário internacional bastante incerto, com EUA que vem de aumentos das taxas de juros que podem impactar o investimento estrangeiro, reforçando a desvalorização cambial e aumentando o peso e importância das exportações primárias. Ainda sobre os EUA, há de se levar em conta as expectativas de um crescimento menor em 2024 em meio a eleições que podem ter Trump como vencedor, o que irá misturar ainda mais as cartas no cenário internacional. A queda do crescimento chinês, maior importadora das commodities brasileiras, guerra na Ucrânia e rearmamento imperialista em nível mundial são questões que vão alimentando os fatores de instabilidade.
Fatores que demonstram a situação do neoliberalismo em crise e suas saídas, como o crescimento da extrema direita em todo o mundo, rebaixamento dos salários e expansão gigantesca dos trabalhadores por plataforma com retiradas de direitos. A onda de greves nos EUA, as mobilizações na Argentina contra os ataques que fez recuar a Lei Omnibus, também são sintomas desse momento de continuidade da crise que a burguesia tenta dar suas saídas para o rebaixamento das taxas de lucro, porém sem aparente novos mercados para exploração, mas não sem resistência por parte dos trabalhadores.
A maior dependência das exportações, que já são 20% do PIB, para o crescimento econômico tornam a economia brasileira muito mais exposta a flutuações econômicas internacionais, e além de China e Estados Unidos, a Argentina, terceiro maior parceiro comercial brasileiro, passa por uma forte crise econômica e instabilidade política, e outros destinos importantes das exportações nacionais devem ter crescimento abaixo de 1% do PIB para 2024.
Dessa forma, é um crescimento que vai alimentando e acumulando contradições estruturais sem condições, internas ou externas, para o que assistimos nos primeiros governos Lula, e que tem como consequência política o maior protagonismo dos setores econômicos sustentadores do bolsonarismo. O avanço dos contratos precários, temporários ou de meio período, da uberização e da informalidade contribuem para essa maior dependência ao enfraquecer o consumo interno como indutor de crescimento econômico, além de apontarem também para um fator de instabilidade política, são também um fator para que em momentos futuros de crise seja mais fácil e barato dispensar esses trabalhadores.
O objetivo da meta do déficit zero, defendida pelo governo Lula, atua para aprofundar elementos de instabilidade, pois o coloca em rota de colisão com os servidores federais, traz cortes para diversos serviços públicos, e traz riscos até para os reajustes reais do salário mínimo prometidos. Além disso, torna o executivo mais dependente do legislativo, reforçando ainda mais o “toma lá, dá cá”, pois necessita da aprovação de diversas medidas de aumento das receitas para que se torne possível cumprir a meta.
Apesar disso, não podemos tomar conclusões unilaterais. Se olhando de maneira mais geral, ressaltamos todas as contradições que permeiam a economia brasileira hoje, a nível conjuntural o resultado do PIB contribui para o cenário de estabilidade política a curto prazo da Frente Ampla liderada por Lula. O resultado foi maior que as primeiras previsões e mesmo com todas as contradições em torno ao trabalho precário, o que se vê ainda é uma taxa relativamente baixa de desemprego e mesmo um aumento da renda. A taxa de desemprego fechou o ano passado em 7,4%, a massa da renda do trabalho cresceu 11,7% e com uma inflação de apenas 1% sobre os alimentos.
O que se mostra é um reforço da reprimarização econômica a partir do fortalecimento dos traços de um país dependente da exportação de produtos primários e onde a própria indústria de transformação é cada vez mais a agroindústria, produzindo bens de baixo valor agregado. O projeto da Nova Indústria Brasil trouxe alguns anúncios de investimentos por parte de montadoras de carros e ,ainda que possa ser uma contratendência, não parece alterar este panorama geral.
Essas contradições não significam que não ocorrerá crescimento econômico, mas sim que esse crescimento será mais frágil e se dará aprofundando-as. Lula, como não tem as bases econômicas para repetir o lulismo clássico, vai se apoiando nos sustentadores e financiadores dos políticos da extrema direita que diz combater e que reforçam os aspectos mais coloniais da economia brasileira.
Ao contrário do discurso de “reconstrução”, está a manutenção e a conservação de toda a obra econômica desde o golpe de 2016. Lula tem seu próprio “teto de gastos do Temer” que é o arcabouço, se utiliza da reforma da previdência de Bolsonaro sem nem sequer pensar em revogá-la e agora com a aprovação do PL dos motoristas de aplicativo, que deixa de fora os motoqueiros, aprofunda a reforma trabalhista de 2017, selando sua aliança com os mesmos interesses que promoveram e lucram com todas essas reformas, e que nos últimos anos vem representando um rebaixamento estrutural das condições de emprego e do nível de vida da maioria trabalhadora.
Por ora, esses resultados econômicos possibilitam à política macroeconômica do governo alguma margem de manobra para realizar políticas econômicas que mantenham uma estabilidade relativa no país. Fruto de um cenário onde também há um aumento dos postos ocupados no mercado de trabalho, mesmo que precários, oferecem ao governo e a Frente Ampla um contexto social no qual não se vislumbra no curto período situações de descontrole social.
No entanto, os “bons sinais” da economia brasileira apontam no longo prazo para um acúmulo de contradições que podem se reverter em seu contrário. O próprio agronegócio, e seu peso no PIB, é um setor que politicamente se mostrou adepto de variantes de extrema-direita, e mesmo que agraciados pela Frente Ampla, não vão renunciar de seu projeto próprio.
Do mesmo modo, a precarização do trabalho, agora protegida sob o manto da PL da uberização, é a cara do país da superexploração do trabalho, que vem impondo enormes custos para a classe trabalhadora e o povo pobre brasileiro.
A permanente busca de agradar o capital financeiro com o mantra do “equilíbrio fiscal”, que nada mais é que honrar os compromissos como os grandes bancos, também poderá ter efeitos sociais, pois impede a realização de medidas mínimas para uma melhora significativa das condições de vida da população.
O caminho que deve ser defendido pelos trabalhadores é aquele que questionem esses pilares do projeto de país que é arquitetado para satisfazer o lucro dos grandes capitalistas. E que passa pela revogação de todas as reformas aprovadas desde o golpe institucional de 2016, a revogação do arcabouço fiscal e o não pagamento da fraudulenta dívida pública.
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