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Março 14, 2024
A conexão com a jornada da inovação em outros setores são de grande valor para construir um projeto eficiente no agro (Foto: Adobe Stock)
Por José Luiz Zuliani
Começamos a temporada 2024 do Live Talks com uma pergunta: como o agro pode se inspirar em outros setores quando o assunto é inovação? E convidamos para o debate representantes do Grupo Boticário e do Hospital Israelita Albert Einstein, com o objetivo de fazer um benchmarking ao vivo – que contou com total engajamento do público.
Mas, afinal, o que uma corporação nativa do segmento de beleza e um hospital trazem de contribuição sobre a forma de ver e praticar a inovação aberta no agro? De um setor em que a premissa é “não errar” e de outro em que o cliente precisa estar, de fato, no centro, só poderiam vir aprendizados muito ricos.
Rodrigo Demarch, Diretor de Inovação do Hospital Albert Einstein, e Daniel Knopfholz, Vice-presidente de Tecnologia, Inovação e Gente do Grupo Boticário, trouxeram seus pontos de vista sobre a construção, maturação e metrificação de projetos de inovação e foram unânimes sobre a necessidade de colocar em prática um compromisso transformacional e de contínua evolução das companhias. Também participaram do debate: Maurício Moraes, Sócio-líder de Agribusiness da PwC Brasil e CEO do Agtech Innovation, e Ricardo Nicodemos, Presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro (ABMRA).
Abaixo, as 5 inspirações direto do setor de saúde e beleza para o agro:
Em corporações que estão começando a trilhar o caminho da inovação aberta, planejamento, segundo os especialistas, é fundamental. E, começando “pelo começo”, para que a execução acompanhe a estratégia do negócio.
Knopfholz ressalta que existem várias maneiras de se implementar a inovação, adaptadas aos diferentes tamanhos e contextos das empresas. Um dos caminhos, pode ser a criação de uma área específica de inovação ou também a opção de fomentar que os projetos de inovação aconteçam descentralizados, nas diferentes áreas da empresa – que foi a escolha do Grupo Boticário.
Um fator de sucesso, segundo ele, é alocar pessoas que conheçam profundamente o dia a dia do negócio, os clientes e problemas a serem resolvidos. “Não é só uma questão de tecnologia e inovação, no fim das contas, é importante ter conhecimento do que é relevante para a organização, para que isso se traduza em projetos de peso”, diz.
Case do Grupo Boticário
Aqui, é importante a compreensão de que não existe um modelo único de sucesso, e que bons exemplos podem ser adaptados à realidade e maturidade do seu processo de inovação aberta.
Knopfholz destaca que o ponto de virada sobre como a inovação era tratada dentro do Grupo Boticário foi a percepção de que seria mais eficaz tratá-la como um processo contínuo descentralizado dentro da empresa, e não como um projeto individual.
O histórico de inovação no grupo, até aquele momento, gerava uma sensação de frustração. “A área de inovação projetava ideias incríveis, mas não existiam braços para executá-las em outras áreas, pois os pontos focais dos outros times estavam preocupados (e concentrados) em projetos próprios, do cotidiano de seus times”, conta Knopfholz.
Ao fazer o mesmo movimento proposto no Live Talks, de olhar para o mercado e se inspirar, perceberam que o fit cultural e operacional do Grupo Boticário era maior com empresas que tratam a inovação de maneira descentralizada – como o Google, Amazon e a Whole Foods, por exemplo. Essas companhias não contam com áreas de inovação no sentido estrito da palavra, com pessoas dedicadas à liderança e operação, mas sim um modelo distribuído por todas as áreas internas.
Foi o momento de parar, pensar e reposicionar: há cerca de quatro anos, veio a decisão de descentralizar o modelo de gestão da inovação, que hoje segue uma linha multi skill, não mais com um time fechado, mas sim equipes multidisciplinares convocadas para missões específicas.
Profissionais de tecnologia, desenvolvimento de produtos, garantia de qualidade, marketing, recursos humanos e outros departamentos unem suas competências estrategicamente para o objetivo proposto, algo como a metodologia Lean ou Ágil.
Isso criou condições para que as equipes resolvessem problemas o tempo todo, para que, ao longo do tempo, estes pequenos focos resolvidos se acumulassem e gerassem uma disrupção de grandes proporções.
As estratégias de inovação do Hospital Albert Einstein focam tanto em buscar soluções tecnológicas no mercado, quanto desenvolvê-las dentro de casa (Foto: Adobe Stock)
Case Hospital Albert Einstein
A inovação aberta como operação no Einstein começou há cerca de 10 anos, como destacou Demarch, embora estivesse no DNA e na cultura da instituição desde sua fundação, nos anos 1950 – com uma visão atrelada, principalmente, à aplicação de tecnologias de fronteira no cuidado dos pacientes ao longo das décadas.
O vínculo com o que é inovador fez com que, naturalmente, a organização assumisse uma posição de incorporar disrupções do mercado , mas também fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias dentro de casa, agindo como um catalisador de ideias e tecnologias do ecossistema a serem difundidas internamente.
No caso do hospital, a opção também foi pela descentralização, mas apoiada por um time de inovação com mais de 50 profissionais de diferentes áreas, que foram moldados para trabalhar com inovação aberta não só pela perspectiva de resolução de seus próprios desafios corporativos – com inovação voltada para processos –, mas também para buscar tecnologias para o cuidado com os pacientes por meio de novas tecnologias.
Parte do movimento de atração de health techs, startups que desenvolvem soluções para saúde, foi a criação da incubadora Eretz.bio, gerida pelo próprio hospital. Criada em 2017, ela foi pioneira no setor da saúde no Brasil ao criar um ambiente para conectar soluções que poderiam ter uma área segura para testagem e prototipagem.
Isso fomentou o conceito de inovação aberta para as pessoas do Einstein, criando valor para a transformação digital como geradora de novas linhas de serviços e produtos dentro da instituição, ganhando um viés transformacional na operação do hospital.
Demarch traduz a inovação como uma simbiose entre atores externos e internos da organização. Segundo ele, é de extrema importância ter as startups por perto, tanto quanto oferecer ao mercado uma comunidade fértil para que elas possam prosperar.
Um parceiro de escolha no desenvolvimento das startups, como a incubadora do Einstein se propõe a ser, tem uma oferta sólida de capital intelectual, expertise em processos e conexões qualificadas que podem acelerar o processo de amadurecimento destas empresas.
Com isso, empreendedores podem testar modelos de negócios, validar suas tecnologias e ter consciência de que a inovação na saúde, tal como no agro, depende do conhecimento científico e da precisão acadêmica, para gerar valor com segurança e visando o bem-estar do cliente final.
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas, publicado em 2023, cita que em empresas de capital aberto, na última década, cada 1% a mais do orçamento investido em tecnologia, gerou um crescimento de 7% nos lucros a cada dois anos.
Outro dado relevante vem do último prêmio “Valor Inovação Brasil”, promovido pela Strategy&, parte do network PwC, analisou cases de inovação de cerca de 250 empresas de diferentes setores, que juntas investiram mais de R$ 70 bilhões em inovação em 2022.
Um dos maiores problemas citados foi a equação “alta expectativa somada a projetos sub financiados”acabam criando iniciativas de inovação que, em sua maioria, já nascem fadadas ao fracasso comercial e estratégico para a companhia.
Os especialistas destacam que a inovação deve ser vista de maneira sustentável como negócio, pois pode gerar ganhos operacionais, criar novas linhas de produtos e serviços, otimizar a gestão ou redução de custos, por exemplo, desde que receba o investimento adequado para ser uma máquina saudável de transformação.
Aqui, um dado muito interessante: Knopfholz cita o fator de “impacto de investimento”, um cenário em que investe-se muito antes do resultado palpável aos olhos da inovação. Mas, quando a inovação gera novos negócios, melhorias operacionais ou de experiência do cliente, abre-se uma porta para novos (e maiores) aportes financeiros.
Nos últimos dois anos, segundo Knopfholz, o Grupo Boticário aumentou em 10 vezes o seu orçamento em inovação e tecnologia, e mais: aumentou de 200 para cerca de 3 mil ,o número de colaboradores envolvidos diretamente em projetos de inovação – com diferentes especialidades, formações e objetivos dentro da empresa. Tudo em busca do ganho e da eficiência calcados na inovação.
A identificação com o propósito inovador da empresa é algo que deve ser vertical, envolvendo a alta liderança, heads de diferentes departamentos e, claro, os players operacionais dos processos. E, nessa balança, os especialistas também concordam: uma liderança comprometida é tão importante quanto o incentivo financeiro.
Demarch destaca que o chamado “buy-in”, ou seja, a adesão total da liderança envolvida na estrutura de inovação, é um fator preponderante para que a estratégia de inovação seja vencedora.
E esse alto nível de engajamento vem quando a alta hierarquia compreende como a inovação funciona e o que é necessário para colocá-la em prática. Algo que vai além do aporte financeiro, com raízes na compreensão de que os resultados demandam tempo. “Não se colhe o fruto da inovação em um ou dois anos, é algo de longo prazo, e se for um trabalho de excelência, a inovação nunca termina”, destaca Demarch.
Moraes aponta que a pauta da inovação no agro está no centro da agenda C-level das companhias, tal como está em outros setores. Sua percepção é de que toda discussão estratégica que as lideranças têm sobre o futuro, negócios ou transformação passa, invariavelmente, por tópicos de inovação e tecnologia.
Na última edição da CEO Survey, pesquisa global promovida pela PwC junto a 4.700 lideranças máximas de grandes empresas, de mais de 100 países, 45% dos CEO afirmaram que, mantido o rumo normal dos negócios, as empresas que lideram não seriam mais economicamente viáveis em um período de 10 anos.
“Isso mostra que quase metade deles entende que precisa fazer algo de diferente e rever seus modelos de negócio. É aí que a inovação e a tecnologia ganham espaço em todos os setores, quando entram no centro do debate e da estratégia das empresas”, argumenta Moraes.
A participação do Grupo Boticário gerou insights que podem servir de provocação saudável ao agronegócio: “Se eu já sou uma empresa grande, consolidada, por que inovar?” Knopfholz deu bons exemplos de como pequenas inovações, que podem vir de setores diferentes, geram valor para o cliente final.
Ele comenta, por exemplo, que o uso de aplicativos, plataformas de e-commerce e inteligência artificial não eram realidade há 10 ou 15 anos, e que, hoje, é impossível estar no mercado do varejo sem utilizá-las – resultado de um processo de aceitação da mudança.
Segundo sua visão, as pessoas tendem a não entender porque estão sendo desafiadas a mudar algo que já funciona, ainda mais se os resultados não vêm num espaço curto de tempo. O apoio da alta liderança em momentos de transformação cultural, como o que estamos vivendo, foi apontado por Knopfholz como uma das chaves para o sucesso da inovação.
Especialistas apontam que as métricas devem ser alinhadas à estratégia e também ao valor gerado para o cliente final (Foto: Adobe Stock)
A primeira das etapas pós-implementação de um time (ou projeto) de inovação é a de traduzir o avanço em números, com as métricas de inovação. No Einstein, Demarch exemplifica que as métricas são divididas por tipos de projeto, como os internos e os desenvolvidos com startups.
Elas passam, inclusive, por critérios diferentes de avaliação. Ideias que são geradas no programa interno de inovação da organização são capturadas, avaliadas e, potencialmente, transformadas em novas linhas de serviço ou, até mesmo, em novas startups – sendo a primeira métrica atrelada a elas a de disseminação da cultura de inovação
A partir deste ponto, entram as métricas “volumétricas”, que medem quantidade de receita que este novo “produto” está gerando, quanto de economia essa solução pode trazer, quantos novos usuários são atraídos por esta inovação aplicada etc.
Demarch cita o caso do Escala, aplicativo nascido dentro do Hospital Albert Einstein para gestão de turnos e escalas de trabalho, que hoje já é utilizado por mais de 300 clientes em todo o Brasil, criando uma nova linha de receita sustentável para a organização – e uma economia de R$ 6 milhões ao ano com horas extras desnecessárias que foram mapeadas e extintas.
Métricas de outros setores podem colaborar para mostrar a eficácia (ou falta dela) nos processos de inovação. Com o devido acompanhamento, é possível medir, por exemplo, o ROI (retorno do investimento, em português), considerando o investimento em times de inovação, ou projetos específicos, e quantos novos negócios foram gerados.
Outras métricas de vendas, como ticket médio, tempo médio de fechamento, CAC (custo de aquisição do cliente), e também de pós-venda, como satisfação, NPS, taxa de recompra e LTV (lifetime value), também podem ser aplicadas a negócios impactados diretamente por projetos gerados pelo time de inovação.
Para projetos – e profissionais – iniciantes na inovação, como implementar um plano de indicadores? Knopfholz fez o recorte de maneira mais abstrata, ao comentar que a inovação deve responder a duas perguntas: (1) ela resolve um problema iminente e relevante do seu cliente ou da própria empresa? (exemplos: abater custos, perdas operacionais, gerar novos negócios, melhorar a experiência do cliente); (2) a inovação melhora a maneira como isso é feito hoje? (neste caso, é importante verificar se as soluções possíveis já foram mapeadas pelo time de inovação e se estão disponíveis no mercado).
Quando você tem as duas respostas claras (e positivas), Knopfholz aponta que é a hora de definir metas e indicadores. Ele exemplifica a questão das filas em lojas físicas, como algo negativo na experiência de compra e que precisa ser monitorado.
“Existem tecnologias que resolvem este problema no mercado? Sim. Mas para as lojas do Boticário, com o tamanho e quantidade que temos, não era viável. Aí faz sentido você se dedicar à resolução do problema internamente, pois isso impacta cerca de 40 milhões de clientes e melhora índices de tempo de pagamento, satisfação e ainda aumenta o faturamento da loja, porque faz circular mais gente.”.
E o que torna uma empresa indispensável para seus clientes, claro, baseado na inovação? Para Knopfholz, vale o reforço: ao endereçar problemas verdadeiros, a taxa de engajamento da liderança, das pessoas do seu time e o retorno disso em relação ao usuário final é muito maior. “Apaixone-se menos pela tecnologia em si e mais pelo resultado que está buscando”.
Para Demarch, a ambição da visão estratégica é um ponto a ser explorado, mas sem esquecer que, ao resolver problemas pequenos, principalmente na fase de aprendizado, você pode gerar resultados relevantes. “Isso mostra resultados de curto-médio prazo e, a partir daí, a visão se consolida, sabendo que a inovação é um jogo longo”.
Pensar “grande” em soluções simples também foi um dos conselhos, no caso, de Nicodemos, traduzido na visão de que, no agro, uma parte relevante das soluções de impacto são executadas de maneira simples, personalizada e direta.
A inovação aberta, para Moraes, é crucial na discussão – porque valoriza as conexões, olhar para o mercado, para outras empresas e setores e a troca de experiências, entendendo que a inovação é um movimento colaborativo, que inclui diversas cadeias de fornecimento e seus consumidores
Maurício Moraes
Sócio e líder do setor de Agribusiness, PwC Brasil
Tel: 4004 8000
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